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Jeito de criança, trabalho de adulto

  • Foto do escritor: Rosa Andrade
    Rosa Andrade
  • 13 de ago. de 2016
  • 5 min de leitura

O drama de quem sofre com a exploração no Nordeste, enquanto deveria brincar e estudar

Graciliano Ramos retratou, em “Vidas Secas”, a difícil saga de uma família retirante do sertão. O livro mostra a desumanização que a seca, a miséria e a exploração causam nos personagens. A história se passa na década de 30, mas pode ser facilmente comparada às vidas atuais de Rosa Nascimento, 7 anos, e sua irmã Margarida, de 9. Elas quebram pedras para a produção de brita ao lado dos pais, das 5h às 13h à beira da estrada, faça chuva ou faça sol. A mais velha consegue quebrar três latas de pedregulho por dia. A menor, apenas duas. A pequena já perdeu a conta do número de vezes que arrancou uma unha a marteladas. Por cada lata que elas enchem, ganham R$ 3,00. As duas já trabalham há dois anos destroçando brita e não vão à escola. “Queria brincar e estudar, em vez de estar aqui. Nunca peguei em um lápis. Sinto dor nas mãos e nas costas. É muito ruim trabalhar, ainda mais com o calor que faz”, diz Rosa.

A história das irmãs é só uma entre quase dois milhões de crianças e adolescentes nordestinos, entre 5 e 14 anos, que ainda trabalham em atividades perigosas e insalubres para ajudar as famílias, segundo pesquisa recente realizada pela Comissão para Erradicação do Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho. Esses dados indicam que, apesar dos avanços no combate a esse grave problema desde os anos 90 – caiu de 19,6% em 1994 para 8,3% em 2014 -, de iniciativas como o Projeto de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), e da distribuição de benefícios como a Bolsa-família e a Bolsa-escola, a seca na região Nordeste e a miséria dela resultante não permitiram que a meta de erradicar a exploração infanto-juvenil até este ano fosse cumprida.

O motivo para esse fato alarmante pode ser a ajuda que ainda não chega a todas as regiões ou não é o bastante para que famílias tirem seus filhos do trabalho pesado. A fiscalização, embora exista, também não é suficiente para punir os empregadores que usam a mão de obra infantil em seus negócios. Como, por exemplo, no processo produtivo de fumo, algodão e cana de açúcar, no qual foram encontradas mais de 35 mil crianças, de 5 a 17 anos, trabalhando. Já segundo o último Censo realizado ano passado, a indústria de processamento de farinha de mandioca emprega cerca de 70 mil menores. Muitos deles são levados a partir dos 3 anos pelas próprias mães e manipulam facas para descascar a mandioca. Em uma única vistoria realizada em 17 farinheiras de Feira Nova, a cerca de 90 quilômetros de Recife, uma equipe do Ministério do Trabalho localizou 198 crianças, de 7 a 11 anos, e outros 91 adolescentes, de 12 e 13 anos, raspando as cascas. Os menores passam seis horas sentados no chão, ao lado das mães, descascando as raízes. Por cada cumbuca cheia, os empregadores pagam R$ 2,00. Cada mãe que tenha ao seu lado dois ou três filhos consegue uma renda mensal de R$ 80,00 a R$ 100,00.

Já nas olarias do Nordeste, o salário é um pouco menos irrisório. Os tijolos são vendidos a R$ 120,00 o milheiro e as crianças ganham R$ 20 reais por semana. Cada uma produz, em média, 600 tijolos por dia, o que equivale ao peso de um carro de passeio. Um desses produtores é Sebastião Alves da Silva, 11 anos, que trabalha numa das seis olarias que empregam crianças na Serra Talhada. O serviço começa às 5h da madrugada. Ele carrega dez galões de água e bate o barro por pelo menos uma hora. Depois enforma a massa e deixa secar ao sol. A jornada inclui ainda o empilhamento dos tijolos produzidos no dia anterior e o preparo da fogueira. “Eu queria mesmo era aprender a ler e escrever direito, mas não consigo, porque estou sempre cansado. Se eu não ajudar o pai, não dá para dar de comer a todo mundo em casa”. Essa mesma ajuda ocorre também na casa de Pedro da Silva, 52, pai de Paulo, 10 anos, e Davi, de 14 anos. Ele diz que precisa do auxílio dos meninos no trabalho na olaria porque não tem como sustentar a mulher e os oito filhos sem o que eles ganham. Por mês, a renda total da família é de R$ 360,00. “Sei que eles deviam estar na escola, e não trabalhando comigo, mas preciso da ajuda deles”, lamenta.

E toda essa falta de aprendizado se reflete no índice de repetência das escolas do Nordeste, que já atinge 40%. Segundo Nilcéia Vieira, coordenadora do Núcleo de Combate ao Trabalho Infantil da Delegacia do Trabalho, uma das alternativas é mesmo a Bolsa-escola, pagamento de salário do Governo Federal a famílias para manterem as crianças no colégio. Nos 15 municípios da Zona da Mata em que o programa foi implantado, a mudança foi impressionante. Só que apenas na região da cana faltam outras 40 cidades para receber as bolsas. “Nas outras regiões, não temos ideia de quando isso vai acontecer”, diz.

Outro projeto, o Bolsa – Família, também se mostra um instrumento eficaz, no entanto, não dá conta sozinho. Além da tragédia da seca e da fome, que empurra as crianças para os postos de trabalho que existem, muitas delas são concentradas no setor informal, na agricultura familiar. Também em Pernambuco, a agricultura irrigada do sertão do São Francisco explora a mão de obra infantil e tem crescido. Essa prática ocupa o quarto lugar no ranking das 29 atividades que usam menores como trabalhadores, só perdendo para as feiras, o comércio e o emprego doméstico. “Nem conseguimos mensurar todo o problema. São necessárias novas estratégias”, afirma Silvio Macedo, coordenador da Comissão para Erradicação do Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho.

Uma dessas novas alternativas, que vem sendo estudada é usar recursos do Fundo de Amaro ao Trabalhador (FAT) e oferecer outro ramo de atividades a estas pessoas, que elimine a participação das crianças, como o artesanato. “Mas ainda enfrentamos uma pesada resistência das famílias que, pressionadas pela miséria, não têm alternativa, a não ser colocar os filhos para trabalhar”, pondera Paulo Morato, coordenador do Núcleo de Combate ao Trabalho Infantil do Nordeste. Essa é a dura verdade. O problema acontece com a conivência dos pais, que não querem ou não podem abrir mão da renda obtida pelas crias. E mesmo com o Ministério da Saúde classificando essas atividades como de alto risco para a saúde, quando a fome aperta por conta do clima semiárido, a situação fica ainda pior. Enquanto a ajuda não chegar, as pequenas vidas seguirão secas.

Reportagem escrita para fins acadêmicos.

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