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A arte como melhor forma de interromper o silêncio da sua viagem

  • Foto do escritor: Rosa Andrade
    Rosa Andrade
  • 5 de nov. de 2015
  • 3 min de leitura

O trajeto até o trabalho vem acompanhado, muitas vezes, por pessoas que adentram as portas do coletivo e exibem sua arte. Seja pelo canto, pelos instrumentos ou pela poesia, os artistas lutam, diariamente, pelo reconhecimento. Após o show, o famoso “chapéu” é passado como pedido de uma contribuição financeira, que fica a cargo do ouvinte decidir quanto (ou se) pagará pela apresentação. Os que não tiverem a sorte de terminar todo esse procedimento são expulsos dos vagões pelas autoridades do transporte. Em casos extremos, eles são agredidos também. Isso acontece devido ao Projeto de Lei 2958/2014 que buscava regulamentar as manifestações artísticas no interior dos metrôs, trens, barcas e ônibus do Rio de Janeiro, e foi alterado de forma que passou a restringir a arte pública apenas às estações.

Logo após a primeira audiência pública que discutia essa lei, um artista foi agredido por seguranças do Metrô Rio. Durante a reunião, a concessionária se colocou contra a arte dentro dos vagões, alegando preocupação de segurança devido às freadas bruscas que colocariam artistas e outros usuários em risco. Esse motivo não foi aceito pelos diversos cantores, compositores e instrumentistas públicos. Dessa forma, ocorre um abaixo assinado, criado pelo Coletivo AME – Artistas Metroviários, que visa o posicionamento a favor da intervenção artística dentro dos vagões, a identificação dos profissionais por um cadastro a ser gerido pela Secretaria de Estado de Cultura junto aos mesmos – e não pela concessionária –, sem que haja caráter de autorização ou seleção de artistas habilitados e, por fim, manutenção da dinâmica de horários das apresentações, compreendidas entre os horários de maior fluxo de passageiros.

Essa reação cultural mostra que a arte pública é livre por excelência. É de todos para todos. Subverte, inventa, reinventa. É autêntica. Ela se manifesta no cotidiano das pessoas, dentro dos vagões, no olhar e no sentimento que cada um pode ter ao ouvir melodias, no arrepio, na vibração, na vontade de dançar ao som dos graves, médios e agudos da percussão, na calma e na excitação do soar das palavras de um poema. Vivenciamos essa manifestação urbana dentro dos vagões como forma de promover o acesso à cultura para aqueles que não dispõem de tempo e/ou recurso para acessá-la em outros espaços. Também possibilita e estimula aproximação, integração e vínculo entre público e artista, criando uma atmosfera de interação. Além de promover a humanização das relações entre os passageiros, gerando bem estar frente à precariedade e ao estresse cotidiano do transporte coletivo. Outro benefício é a propagação de valores e estímulo ao público para conhecer nossa diversidade cultural, novos artistas e suas influências.

Todos esses anos de intenso trabalho cultural, pedagógico, de saúde e cidadania junto aos usuários no interior dos veículos não podem ser ignorados. É valido lembrar que as concessionárias já apoiaram apresentações no interior dos vagões, como o evento “Estação Nordeste”, realizado em novembro de 2013, e apresentações de músicos de vários países do mundo (conforme matéria publicada pela Rede Globo, em 14 de agosto de 2014), ambas realizadas no Metrô Rio; e na SuperVia, o famoso Trem do Samba que, há décadas, revive essa tradição. Mesmo assim, os coletivos ainda carecem de arte. Ela se manifesta em diversas praças e ruas, e dão um novo significado a esses espaços, assim como também poderia fazer o mesmo com os transportes.

Para que todas as partes sejam contempladas, satisfatoriamente, é fundamental o respeito e o fim das censuras e agressões. As intervenções urbanas são possibilidades de encontro, provocações, impulsos. Chacoalham, não pelos buracos e solavancos nos trajetos vividos pelos transportados, e sim pela experiência sutil (individual e coletiva) na alma calejada e quase fria do nosso dia a dia. Afinal, com bem disse Leminski: “Distraídos venceremos”.

Artigo produzido para avaliação acadêmica.

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